Quem faz o luxo?
- João Diel
- há 4 dias
- 2 min de leitura
O Luxo Revelado: O que os vídeos das fábricas chinesas estão expondo sobre a moda de luxo
Nas últimas semanas, vídeos publicados no TikTok vêm chamando atenção do público global ao mostrar trabalhadoras chinesas oferecendo peças de altíssima qualidade visualmente idênticas às de marcas de luxo mundialmente famosas — mas sem os logotipos. As publicações viralizaram com legendas como “feito na mesma fábrica” e “sem logo, mesmo produto”, levantando debates profundos sobre autoria, valor e invisibilidade na cadeia produtiva da moda.
Quem faz o luxo?
A indústria da moda de luxo há muito tempo constrói seu prestígio sobre uma narrativa de exclusividade, tradição europeia e processos artesanais. No entanto, como diversos estudos em moda e trabalho já vêm apontando, muitas dessas peças são de fato produzidas por oficinas terceirizadas na Ásia, incluindo na China, Vietnã e Bangladesh (Bair, 2009; Tokatli, 2012).
O que os vídeos nas redes sociais escancaram é justamente a contradição dessa narrativa: peças visualmente idênticas às das grandes grifes são feitas por mãos invisíveis — e, por vezes, as mesmas mãos que produzem para as próprias marcas. A diferença? A presença ou ausência de um logotipo.
Produtos "sem logo" e a reinvindicação do trabalho
O fenômeno atual não envolve falsificação clássica (com o uso indevido de marca registrada), mas sim a comercialização de produtos feitos nas mesmas oficinas, utilizando os mesmos moldes, tecidos e técnicas — apenas sem a aplicação da etiqueta da marca. Esses produtos, conhecidos por alguns como “sem logo”, se tornaram símbolo não de pirataria, mas de reivindicação: o trabalho como centro do valor, e não a grife.
Como aponta a pesquisadora Angela McRobbie (2016), o mundo da moda contemporânea depende da "economia da promessa" — onde o valor é projetado por narrativas de status, não pela materialidade do objeto. Ao vender o mesmo produto sem logotipo, as trabalhadoras estão revelando onde reside o verdadeiro luxo: no fazer.
Resposta das marcas
Segundo matérias recentes em veículos especializados em moda, conglomerados da indústria de luxo estão atuando junto a plataformas digitais para conter a disseminação desses conteúdos, alegando violação de propriedade intelectual. A empresa LVMH, por exemplo, que controla marcas como Louis Vuitton e Dior, anunciou uma parceria com plataformas sociais para combater a venda de produtos não autorizados (FashionNetwork, 2024).
No entanto, críticos apontam que a questão aqui vai além da legalidade: trata-se de uma disputa simbólica sobre quem detém o direito de nomear, lucrar e ser reconhecido na cadeia do luxo.
Um debate necessário
Esses vídeos não apenas viralizaram — eles colocaram em xeque as fundações da indústria de luxo. Afinal, se uma peça feita pela mesma costureira, com o mesmo tecido, no mesmo molde, só vale milhares de dólares quando leva um logo… de onde vem esse valor?
Como consumidores, educadores, criadores e profissionais da moda, é urgente pensarmos na cadeia produtiva como um todo — e nos perguntarmos quem realmente está sendo valorizado.
Para saber mais:
Bair, J. (2009). Global capitalism and commodity chains: Looking back, going forward.
Tokatli, N. (2012). Toward a better understanding of the apparel industry: A critique of the upgrading literature.
McRobbie, A. (2016). Be Creative: Making a Living in the New Culture Industries.
