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Mar adentro!

Perfume não nasceu em laboratório. Antes dos frascos de vidro lapidado e dos slogans publicitários, havia cheiro feito à mão: álcool caseiro, cascas e folhas imersas, um tempo de espera, um corpo preparado. O Banho do Marinheiro vem dessa tradição. Rum, louro-da-baía (Pimenta racemosa), zest de cítrico, cravo-da-índia. Uma mistura simples, quente e aromática — usada originalmente por comunidades afro-caribenhas para acolher viajantes do mar com um banho de ervas e espírito.


Esse gesto não era só higiene: era cuidado coletivo, prática cultural, limpeza energética e bem-estar sensorial. As plantas escolhidas tinham função — revigorantes, antimicrobianas, digestivas, aromáticas — mas também sentido. Eram locais, acessíveis, cheias de história. A própria ideia de "banho aromático" carrega um conhecimento milenar, que antecede qualquer divisão entre perfumaria, medicina e ritual.


Mais tarde, quando o bay rum chegou à Europa e aos Estados Unidos no século XIX, ele foi engarrafado como colônia e pós-barba. Ganhou status de perfume masculino clássico, com imagem naval e viril, mas perdeu a conexão com sua origem comunitária e afrodescendente. O cheiro sobreviveu — mas o contexto se perdeu.


Refazer esse banho hoje é uma forma de reconexão. Não se trata de nostalgia ou de folclore, mas de reconhecer que a perfumaria artesanal carrega memórias reais, técnicas precisas e caminhos que foram marginalizados pela indústria. O uso de álcool natural, a extração caseira, a mistura por decantação e infusão — tudo isso é ciência popular, baseada em observação, repetição e adaptação às condições locais.


A perfumaria artesanal é prática de resistência. Porque não depende da validação de um mercado, mas da continuidade de saberes. Porque permite autonomia: quem conhece os materiais e os métodos pode produzir seus próprios aromas, com sentido e intenção. E porque valoriza a diferença: cada preparação carrega o toque de quem fez, do lugar em que foi feita, da água, do tempo, da mão.


Para pessoas LGBTQIAPN+ e para quem vive às margens do centro, isso tem ainda mais força. A perfumaria queer não precisa seguir padrões. Pode explorar a estranheza, a doçura, o silêncio, a potência. Pode misturar o que quiser, de forma livre e afetiva. Pode recusar o binarismo aromático que marca os perfumes industriais — “feminino floral”, “masculino amadeirado” — e criar outros caminhos de sentir.


Comprar de pequenos produtores artesanais não é um gesto de consumo alternativo — é um modo de sustentar práticas vivas. É confiar em saberes que não cabem nas fórmulas comerciais. É apoiar quem cultiva, quem destila, quem formula com a cabeça e com a mão. É manter vivo o elo entre corpo e planta, entre cheiro e memória.


O Banho do Marinheiro é uma dessas formas. É preparado com tempo, com rum artesanal, com plantas verdadeiras. Não vem para substituir perfume algum, mas para lembrar que cheiro também é linguagem. E que perfumar-se pode ser um ato simples — mas cheio de passado, de escolha e de presença.




 
 
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