A magia funciona
- João Diel
- 22 de abr.
- 2 min de leitura
Atualizado: 23 de abr.
A magia funciona. Ela sempre funcionou. Funciona porque há séculos serve como linguagem, como prática de cuidado, como tecnologia de relação com o mundo. Funciona porque mobiliza saberes ancestrais, ativa a potência dos corpos e sustenta vidas em meio ao colapso das certezas modernas. Funciona porque oferece sentido, abrigo e direção onde os discursos dominantes falham em acolher.
A racionalidade moderna, sobretudo a partir da expansão colonial europeia e do projeto imperial britânico, instituiu uma epistemologia excludente, que afirma apenas um tipo de conhecimento como legítimo: aquele que pode ser medido, isolado, reproduzido. Mas outras formas de conhecer e transformar o mundo seguem atuando, muitas vezes de maneira silenciosa, cotidiana e afetiva. As práticas mágicas — enraizadas em tradições afro-diaspóricas, indígenas, camponesas, queer — expressam maneiras inteiras de habitar o mundo com cuidado, desejo e presença.
Sob uma perspectiva queer, a magia é mais que ritual: é estética, é política, é sobrevivência. É o modo como corpos dissidentes se protegem, se reinventam, se curam. É o perfume colocado antes de sair, o amuleto no bolso, a flor no altar improvisado. É o banho que prepara para a luta, o canto que sustenta o luto, a dança que organiza o caos.
A magia funciona porque ela age. Mesmo sem se prender à lógica da comprovação científica tradicional, ela opera sobre afetos, ambientes e narrativas. Ela reorganiza os sentidos e propõe outros modos de viver. Funciona porque transforma a percepção e, ao fazer isso, transforma também o possível.
Reivindicar a magia como prática legítima de conhecimento é afirmar uma pluriversalidade epistêmica: reconhecer que há muitos mundos, e que muitos deles continuam vivos porque seus habitantes seguem praticando a magia como gesto cotidiano de liberdade. A magia queer não é resistência apenas — é criação. É projeto de mundo. É, acima de tudo, afirmação de vida.
