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Perfume ou algoritmo? O risco da pasteurização olfativa na era da IA

A chegada da Inteligência Artificial (IA) ao universo da perfumaria é um dos movimentos mais marcantes da indústria nas últimas décadas. Grandes casas como Givaudan, Symrise e Firmenich já utilizam algoritmos sofisticados para acelerar a criação de fragrâncias, cruzando dados sensoriais, tendências de mercado e preferências emocionais dos consumidores. Ferramentas como Carto, Philyra e plataformas de biometria olfativa prometem o futuro: perfumes personalizados, design rápido e fórmulas matematicamente "perfeitas" (The Guardian, 2023; Business Insider, 2024).


Mas a que custo?


A promessa da IA é sedutora: redução de custos, agilidade no desenvolvimento, previsibilidade. Porém, o que se observa é a criação de fragrâncias que frequentemente obedecem a algoritmos de aceitação massiva, resultando em perfumes cada vez mais genéricos e emocionalmente esvaziados. Quando uma IA calcula o que "deve funcionar", ela prioriza o que é estatisticamente seguro — e não necessariamente o que é ousado, único ou profundamente memorável.


A Allure (2024) já descreveu a IA como "o ChatGPT da perfumaria", sugerindo uma padronização perigosa, onde fragrâncias se tornam variações mínimas dentro de um mesmo campo olfativo previsível. A criatividade artesanal, nesse cenário, corre o risco de ser apagada. Perfumes assinados por IA muitas vezes sequer reconhecem a mão humana que os ajusta, reduzindo o papel do perfumista a um operador de algoritmos. Isso não apenas esvazia a profissão, como também empurra o mercado para uma concentração de poder nas mãos de grandes corporações.


Além disso, há uma questão ética delicada: o uso de dados biométricos e emocionais. Projetos como os da YSL com leitura de ondas cerebrais soam futuristas, mas levantam preocupações importantes: quem controla esses dados? Como garantir que a personalização não seja apenas mais uma estratégia para capturar ainda mais o consumidor?


O discurso da sustentabilidade também precisa ser observado com cautela. Embora a IA facilite a criação de moléculas por fermentação e aproveitamento de resíduos, há o risco de greenwashing quando essas práticas não estão de fato comprometidas com redes locais e regenerativas.


O valor político do perfume artesanal

Enquanto a indústria corre atrás do perfume estatístico, o pequeno produtor e o perfumista artesanal continuam guardiões da diversidade olfativa. São eles que ainda criam com matérias-primas locais, ciclos longos de maturação e histórias que fogem do previsível. O artesão é livre para errar, experimentar e misturar instinto com memória — e é nesse espaço de liberdade que nasce a verdadeira magia do perfume.


O perfume artesanal não precisa competir com a IA em velocidade. Ele oferece algo que os algoritmos não conseguem entregar: profundidade emocional e vínculo afetivo. Ele cheira à vida vivida — não a um gráfico.


Em um mundo onde o cheiro pode ser calculado, o gesto manual e o tempo da natureza tornam-se, mais do que nunca, um ato de resistência.


Referências:

  • The Guardian. How AI and brain science are helping perfumiers create fragrances. 2023.

  • Business Insider. AI is helping fragrance companies unlock the sensational possibilities of smell. 2024.

  • Allure. The ChatGPT of Fragrance Has Arrived. 2024.


chatgpt ilustra o uso de IA na perfumaria
chatgpt ilustra o uso de IA na perfumaria

 
 
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